penso muito nos versos de Ana C “Porque essa falta de concentração? Se você me ama, por que não se concentra?” que resumem minhas maiores dores amorosas, especialmente porque tudo em mim é óbvio e gritante, tem de haver um esforço grande pra não ter a atenção capturada, pra não me enxergar. minhas relações amorosas, todas elas, me fizeram pensar nalgum momento: você sequer me conhece? você sabe quem está na sua frente? estou aqui mais transparente do que um cristal e você ainda não faz ideia de quem eu sou. chocante de perceber. se admito o que sinto e sou pra transeuntes na rua imagine pra quem eu amo. se nada está oculto, por que ainda vê outra em meu lugar?
tenho um jeito quase feiticeiro de conseguir verbalizar o que sinto sem trazer cobranças, peso, culpa, expectativas irreais etc. um exercício de aceitação quase contemplativo e ricardoreisiano do sentir. além de claro, me permitir me ver, ter a capacidade de olhar no espelho e aceitar sem grandes desassossegos. é o que me amadurece e se equilibra com a honestidade brutal e ingênua de criança que carrego. há também um jeito feiticeiro de verbalizar o que há em mim de maneira dramática, errática, teatralizada e megalomaníaca. um exercício de aceitação álvarodecampeano, onde são expostas os pesos, culpas e expectativas irreais. e não importa se quem assume a direção da fronte da minha mente é mago-estoico-epicurista ou mago-engenheiro-dramático: os dois navegam um barco de cristal.
o fato é que minha distância e desencontro com o Outro acontece sempre aí. quase ninguém sabe nem quer se enxergar - o que me causa imensa surpresa, já que os vejo inteiros, inteiros, bem e mal, e me apaixono pelas suas sombras e defeitos irrecuperáveis e por isso os amo ainda mais. só eu que sou vil e errônea nesta terra? arre, estou farta de semi-deuses. nunca cometeram pecado, nunca foram ridículos, risíveis. nunca. e jamais espere que falem sobre suas próprias emoções! emoções são humanas e falhas. quem traz a Verdade pela palavra é Louco. a Verdade mais verdadeira, a que admite e ri da Mentira para desbancá-la, e depois a Mentira para desbancar a Verdade etc etc etc e assim sucessivamente no movimento contínuo de contradição dialética que é a condição primeira do Real: quem a traz é louco de pedra. tenho sentido solidão no Hospício.
me sinto só, alienígena, falante de uma língua inexistente. meu maior sonho é ser vista. quero me encontrar com alguém, quero que cheguemos no mesmo lugar sem tempestades, ou, havendo tempestades, que elas sejam necessárias e genuínas porque assim admitimos.
te vejo e te sinto
tristemente forte até me faltam palavras